Genoma, Ética e Fraternidade
Paiva NettoA qualquer momento, a palavra impossível poderá pedir aposentadoria e retirar-se do vocabulário. Pelo menos do científico. A cada hora que passa, as notícias vão pasmando o mundo com o sucesso obtido pelo laboratório. Por exemplo, está ocorrendo uma verdadeira revolução na Medicina. Cumpre que beneficie a todos.
Foi o caso que se deu com o genoma humano quando foi mapeado e sua sequência descoberta pela primeira vez na História. Ao mesmo tempo que descortinou horizontes extraordinários, suscitou uma série de questões éticas que até hoje aguardam solução urgente. Na ocasião, ecoou em boa medida a manifestação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair: “Devemos garantir que essa poderosa informação não venha a ser usada para que o homem se torne seu próprio criador ou invada a privacidade alheia”. Realmente, precisamos saber para onde estamos indo...
Razão e Sentimento
A ganância não pode sobrepor-se à Razão e ao Sentimento. Do contrário, assistiremos, contristados, sob justificativas mil, ao surgimento de uma civilização de horrores maiores do que já presenciamos em milênios de caminhada.
Não sou pessimista. Entretanto, diante do fato de que apenas 2% dos recursos financeiros mundiais são aplicados no aperfeiçoamento social das multidões, uma preocupação assoma à mente e leva a concluir o óbvio, o qual, por isso mesmo, deve ser repetido: nunca, como agora, torna-se tão necessária a prática de tudo o que se resume na expressão Fraternidade.
A tecnologia supera as barreiras. Mas quando veremos a Solidariedade desenvolver-se à sua frente, de forma a iluminar os seus caminhos?
É hora de recordarmos Maimônides (1135-1204), que tanto influenciou as culturas judaica, árabe e cristã. No século XII, o ilustre talmudista, que cresceu entre os árabes, propunha a harmonia entre a Razão e a Fé. Ora, quando entendidas como o exercício da Verdade e o enaltecimento da Paz, inspiram a Ciência como promotora das criaturas à conquista da liberdade supina. O conhecimento não pode escravizar as Almas. O medo nasce da ignorância. Motivo por que, quem abre escolas e espiritualiza o aprendizado, – porquanto a instrução do intelecto não é suficiente para formar o verdadeiro cidadão do terceiro milênio –, fecha cadeias. Com certeza, o autor de Guia dos Perplexos ficaria espantado com o avanço notável da técnica e, porque foi vítima de perseguições, aflito com a restrita expansão da Concórdia. Mas alcançaria o porquê de um progresso que insiste em beneficiar aristocracias do dinheiro e sufocar populações inteiras desalentadas pela miséria.
Na certa exclamaria: – Eis a programação para um suicídio planetário!
Reconheceria a ausência de Amor na política mundial, que precisa ser professada como um sacerdócio.
Todo esse espetacular êxito científico não pode prescindir do bom senso moral. A triste memória das experiências nos campos de concentração nazistas e da chacina dos armênios no princípio do século XX constitui severo alertamento.
O ser humano deve ser respeitado como o Capital de Deus, embora o mercado não tenha aprendido ainda a assimilar outra linguagem. No entanto, a Economia será forçada a desdobrar outra vivência, justa e benéfica, como fracamente já o vem percebendo, se quiser subsistir.
Dois ateísmos
De maneira pejorativa, costumava-se chamar o comunismo de ateu. Contudo, o capitalismo, enquanto apenas enxergar na testa das criaturas um cifrão, de que poderá ser apelidado? De ateu, igualmente...
O capítulo 13, versículos 16 e 17, do pouco lido e menos compreendido Apocalipse, é bastante elucidativo ao dizer que: “A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita, ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tenha a marca, o nome da besta (que emerge da terra), ou o número do seu nome”.
Esta época, de tanta rapidez nos feitos materiais e lenta nos espirituais, demonstra a atualidade desta quadrinha de Alziro Zarur (1914-1979): “Hoje, a vida é uma corrida./ Todos correm, tudo corre,/ Todos morrem, tudo morre.../ Eu não sinto mais a vida”, completada pelos últimos versos do seu soneto “Os corações de pedra”: “O Teu poder, ó Deus, tudo abate e esboroa:/ Para que escutem, pois, a Tua voz que soa,/ Dá sensibilidade aos pétreos corações!”
O Genoma de Deus
É indispensável, portanto, que decifremos, para adequadamente o aplicar, o Genoma de Deus, a Razão de tudo: o Amor, que nos vem sustentando, pois ainda estamos aqui... Mesmo que a duras penas, temos preferido sobreviver.
Agora... que a Ciência está de parabéns, está! E nós com ela...
José de Paiva Netto ― Jornalista, radialista e escritor.
paivanetto@lbv.org.br — www.boavontade.com