Ukai, a milenar técnica japonesa de pesca com pássaros
Conheça o ukai, a milenar técnica japonesa de pesca com pássaros
A tradição, que já dura mais de 1300 anos, virou atração turística no país. Mas gerou polêmica quanto ao trato das aves usadas. Por que usar varas de pesca para pegar peixes se você pode usar... pássaros?! A cidade de Gifu, no Japão, tornou-se famosa pelo ukai, uma técnica de aproximadamente 1300 anos na qual os pescadores utilizam como principal ferramenta de trabalho a ave aquática cormorão, conhecida também como corvo-marinho. Mesmo não tendo penas impermeáveis, o cormorão caça a sua presa mergulhando na água. Graças a essa habilidade, a espécie foi a escolhida para ser treinada para esse tipo de pesca. Funciona assim: os pescadores amarram uma corda em volta do longo pescoço das aves e, em seguida, eles são lançados ao mar. Ao capturar um peixe, os cormorões são puxados de volta aos barcos, onde têm a presa arrancada de seu bico. O laço com a corda é feito de uma maneira que só peixes pequenos possam ser engolidos. A pescaria com os cormorões é também praticada em outras regiões da Ásia, como China e Coreia, mas o festival de Gifu é o mais famoso. Todos os anos, milhares de pessoas viajam para assistir os barcos no Rio Nagara. Há, inclusive, um pedido da cidade à UNESCO para que a atividade se torne Patrimônio Cultural Imaterial.
Como a pescaria acontece ao entardecer, os longos barcos de madeira são equipados com lanternas penduradas nas proas. Você pode acompanhar toda essa apresentação de dentro dos barcos turísticos cobertos que acompanham de perto os barcos de pesca. Como opção à parte, alguns deles servem jantar com peixes capturados no rio. Muitos assistem gratuitamente das margens do rio, mas acompanhar dos barcos é muito mais divertido. A temporada vai de maio a outubro, quando os barcos turísticos partem da Ponte Nagara várias vezes durante a noite. O passeio dura pouco mais de uma hora. É necessário agendar com antecedência. As reservas para jantar geralmente são feitas pelos hotéis.
Muitos Imperadores japoneses tiveram a chance de assistir a pesca Ukai. Peixes ayu (truta), capturados por cormorões são enviados para a família imperial várias vezes por ano. Dizem que o general Oda Nobunaga tomou os pescadores de Ukai sob seu patrocínio oficial e criou para eles a posição oficial e o título de usho (Mestre de Pesca Cormorão). O Shogun Tokugawa Ieyasu, que estabeleceu o governo nacional do Xogunato Edo (1603-1868), muitas vezes gostava de observar Ukai quando visitava Gifu, e também dava seu patrocínio e proteção aos pescadores. Ele adorava ayu-zushi (sushi de truta) feito em Gifu e ordenou que durante a temporada fossem trazidos para a cidade de Edo (atual Tokyo).
Muitos intelectuais notáveis também amavam assistir a pesca tradicional Ukai. O poeta haicai Matsuo Basho escreveu um famoso haicai quando visitou Gifu e assistiu à pesca do cormorão: “Emocionante ver / mas logo depois vem a tristeza / os barcos Cormorões”. O grande ator Charles Chaplin visitou o Japão duas vezes para assistir à pesca do cormorão e elogiou muito. O conjunto, que compreende 122 peças que são utilizadas para a prática da pesca Ukai, é designado como um importante bem cultural folclórico tangível do Japão, e o rio Nagara é designado como um importante bem cultural folclórico intangível da província de Gifu.
Apesar de apreciada por turistas, o ukai, nos últimos anos, tem gerado opiniões controversas em relação ao tratamento que os animais recebem. Em entrevista ao National Geographic a especialista em ética animal, Lori Gruen criticou a pescaria. "Os pássaros pareciam angustiados com o modo como estavam sendo manipulados", disse ela, após assistir a um vídeo da prática. Os pescadores, em contrapartida, defendem a tradição. Eles dizem que massageiam o pescoço do pássaro para relaxá-lo (e facilitar a saída dos peixes). Além disso, afirmam que os donos dos pássaros e os animais funcionam como uma equipe, trabalhando em conjunto. No final do século XiX, o Ministério da Casa Imperial do Japão confiou aos moradores de Gifu a tarefa de preservar a técnica. Até hoje, os descendentes daqueles antigos pescadores recebem o título de “mestre imperial da pesca de corcomão". Segundo Gruen, mesmo tradições culturais seculares deveriam ser revistas caso elas entrem em conflito com as concepções atuais de comportamento e bem-estar de animais. Enquanto as autoridades não definem o destino do ukai, ele segue sendo praticado e dando um novo sentido ao famoso ditado “quem não tem cão, caça com gato" (no caso, pássaro).