Desnudar-se é necessário
Hoje, segunda-feira é meu dia de folga do trabalho. Perto de ondo moro tem um shopping, e como o dia estava ensolarado, resolvi ir lá beber um café no Starbucks. Após o café resolvi caminhar por entre as lojas. No segundo andar existe uma loja “chique”, sempre com seus manequins expondo peças luxuosas e caras. Hoje, os manequins estavam nus, talvez para troca de peças de vestuário. Olhando para os manequins nus pensamentos aleatórios vieram à minha cabeça.
Alguma vez na vida a gente se desnudou assim. Não o corpo, mas a alma. Alguma vez tiramos as amarras, as vendas dos olhos e nos mostramos sem limites e perfeições? A profundidade é a sincera condição do nosso eu, com todos os desvios e todos os defeitos, do que a ausência de verdade naquilo que se mostra belo. Desnudar a alma, às vezes é necessário. E essa é a parte mais difícil, despir a alma. Porque isso significa compartilhar nossos medos, nossas angústias, nossos sonhos e a nossa...vulnerabilidade. E isso dá medo...por isso nos escondemos em máscaras invisíveis.
Em tempos atuais, com os avanços tecnológicos, a nossa rotina ganhou ritmo acelerado. Fazemos quase tudo pelo smartphone que temos à mão: compramos roupas e comida, pagamos as contas, enviamos e recebemos e-mails (tanto de trabalho quanto particulares) e ainda temos a nossa vida nos aplicativos, a conhecida rede social onde precisamos estar bem, sempre. As redes sociais são os locais onde nos “ostentamos”, onde queremos estar sempre melhores que os outros. Ao fazer isso perdemos as nossas identidades.
Isso me fez lembrar do conto “O Espelho” de Machado de Assis. Nesse conto vemos a exímia habilidade do escritor de desenvolver uma trama com pretensões filosóficas de profunda reflexão. O conto, pelo título, se pautará em anunciar uma nova teoria, metafísica, sobre a alma humana.
No conto, Jacobina foi nomeado Alferes da Guarda Nacional, o que lhe garantiu uma mudança significativa de status. Sua família passou a elogiá-lo e se orgulhar dele, e agora era conhecido como o “Sr. Alferes”. Um dia, sua tia Marcolina o convida a passar uns dias no sítio onde ela morava. Por conta do status de seu sobrinho, ela lhe oferece um enorme espelho e a melhor mobília da casa, e os coloca no quarto destinado à Jacobina. A partir de então tudo mudou em sua vida. A percepção que tinha de si mesmo passou a ser aquela que os outros tinham dele, e a pessoa que Jacobina era não mais existia. Pouco tempo depois de sua chegada ao sítio Tia Marcolina teve de sair de viagem. Aproveitando a ausência dela todos os escravos fugiram e Jacobina viu-se sozinho no sítio. Assim, passou os dias perdido na solidão e angustiado por ter perdido a “sua alma exterior”, fruto da imagem que os outros faziam dele. Em certo momento ele decide se olhar no espelho e percebe que a imagem ali refletida estava corrompida e difusa, assim como a imagem que ele fazia de si mesmo na ausência dos outros. Não conseguindo enxergar a si mesmo com nitidez, Jacobina resolve vestir a sua farda e olha-se no espelho. Dessa vez a imagem refletida era nítida e com clareza de detalhes e contornos, recuperando “a alma exterior” que preenchia sua “alma interior”, e assim Jacobina conseguiu evitar a solidão nos dias que se passaram.
O conto foi escrito em 8 de Setembro de 1882 no Jornal Gazeta de Notícias e depois lançado no livro de contos “Papéis Avulsos”, no mesmo ano. Uma obra original e atemporal.
“A gente se aliena no coletivo, mas transcende e evolui na individualidade” (Beatriz Barbosa).