Paula está lançando “Sumaúma”. O álbum tem participação de compositores como Arthur Verocai, João Bosco e João Donato.
A inspiração para o nome do álbum vem da árvore tropical Sumaúma, cuja imensa copa é voltada para o astro rei e cuja raiz, a sapopema, é firme e musical (como instrumento percussivo ela é utilizada para a comunicação entre tribos amazônicas).Lançamento: Sumaúma – Paula Santoro
Em “Sumaúma”, Paula Santoro dá voz a canções leves e solares como a copa da árvore que a inspira, e densas e profundas como suas raízes.
O álbum tem participação de compositores como Arthur Verocai, João Bosco e João Donato e recria, de forma contemporânea, a sonoridade dos anos 70.
A inspiração, tanto para o nome do álbum como da canção, vem da árvore tropical Sumaúma, cuja imensa copa é voltada para o astro rei e cuja raiz, a sapopema, é profunda e musical (como instrumento percussivo ela é utilizada para a comunicação entre tribos amazônicas).
Se o novo álbum da cantora fosse um LP, as primeiras canções seriam uma espécie de Lado A. Dizer que se trata de um lado A solar quase não é uma metáfora, tal a sensação – real - de sol da manhã no mar que já invade em “Yê Melê”, a primeira faixa, um canto para Yemanjá composto em 1968 pelos bossa-novistas Chico Feitosa e Luís Carlos Vinhas. E que continua de forma evidente na segunda, “Na boca do sol”, estupenda canção pop de Arthur Verocai e Vitor Martins, lançada no cultuado álbum de estreia de Verocai em 1972. Prossegue na sensual exuberância percussiva do maxixe moderno “Sassaô”, um raro João Bosco letra e música dele, lado bezaço de 1989. E desemboca na bossa-bolero – na verdade um levíssimo lullaby – que João Donato e seu irmão e parceiro Lysias Ênio fizeram para a mãe, “Ê lala lay ê”, lançada em 2001, de versos infantis e solares, “Vejo lá no céu sorrindo/Ê lala lay ê/O sol se abrindo”, a própria mãe como um sol da manhã confortável, a iluminar e aquecer tudo, e não uma noturna e convencional cantiga de ninar.
E se o Lado A é desse jeito leve e solar, o Lado B sendo também parte da “Sumaúma”, árvore e álbum, é a sapopema: imensa como a copa e como o tronco, raízes que são profundas, que dizem o que é preciso ser dito e guardam a água e a seiva para alimentar a vida em momentos difíceis.
Dizer que se trata de um lado B plúmbeo e de ar denso também quase não é metáfora, tal a sensação – real, literal até – da descrição de dias difíceis e reflexivos que já vem com a bela canção de Beto Guedes e Márcio Borges “Caso você queira saber”. Redescoberta no primeiro disco de Beto, lançado pela Odeon em 1973, é uma canção de melodia linda e dolorosa, harmonia sofisticada como as mais sofisticadas canções mineiras, e na letra a descrição de um amanhecer nublado de uma separação: “Você tem que ir embora/Já começa a amanhecer/Parece outro dia negro”. A coisa prossegue ainda mais densa em “E daí (A queda)?”, pinçada do “Clube da Esquina 2” de 1978, a mais dolorosa e política das canções de Milton Nascimento, em parceria com Ruy Guerra, a canção dramática, aqui levada em piano e voz, a letra que descreve como poucos poemas a miséria e o abandono brasileiro: “Tenho os intestinos roucos/Num rosário de lombrigas/Os meus músculos são poucos/Para essa rede de intrigas/Meus gritos afro-latidos/Implodem, rasgam, esganam”, e a resposta no refrão de uma só palavra, “E daí?”, ecoando a indiferença dos poderosos diante do sofrimento.
Como uma pausa para respirar, “Skindô” é um tema da própria Paula Santoro em parceria com Arthur Verocai e que, em ritmo de samba e vestido de cordas exuberantes, enchem de alegria nossos (atuais) dias difíceis, sem qualquer perda de densidade musical. O tema, sem letra, como que prepara a faixa seguinte, justamente a que dá título ao álbum, “Sumaúma”. Não fosse de uma dupla mineira contemporânea, os parceiros Alexandre Andrés e Bernardo Maranhão, a canção conceitua o álbum – “E uma a uma as sumaúmas úmidas/Subindo ao céu/Mergulham fundo na raiz/Num triste trópico do sul” – e é nitidamente em sua riqueza melódica e harmônica, em seu groove meio Beatles, herdeira da tradição mineira do Clube da Esquina e de suas múltiplas influências.
Ainda no tal Lado B, e para reforçar a influência africana nisso tudo, Paula Santoro apresenta outro tema seu, “Afrikanino”, em que se acompanha apenas por seu pandeiro e palmas, faz todas as vozes de um arranjo vocal para uma melodia composta em compasso 6/8 (bem afro-mineiro). É como uma vinheta para desembocar no número final, uma canção de Gonzaguinha de 1981, “Coisa mais maior de grande”, aqui recriada em ritmo de congada mineira, um hino humanista de valorização da vida, e, como no ciclo das sumaúmas, uma proposta de volta ao sol, ao início, à copa da árvore, um renascimento: “Que nada se repete sob o sol/O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual”.
Este sétimo álbum solo de Paula Santoro, cantora mineira radicada no Rio, traz logo assim de cara dois talentos seus além da afinação perfeita de professora de canto, e do jeito muito pessoal de interpretar canções brasileiras: escolher repertório e, a partir dele, criar um conceito musical. E, a partir do conceito, uma direção musical, que aqui ela divide com seu já antigo parceiro, o pianista Rafael Vernet (produtor musical e arranjador do disco).
Logo no início do processo, Paula percebeu que suas escolhas de repertório para o álbum estavam um pouco diferentes dos anteriores. Tudo estava talvez mais leve, mais rítmico, com mais ênfase no groove – sem perder, no entanto, o gosto também por melodias e principalmente harmonias bem feitas, cantora mineira que é, filha do Clube da Esquina. Mais solar, portanto. “Yê Melê” e “Na boca do sol”, principalmente, mas as outras canções mesmo feitas posteriormente também remetendo à virada dos anos 60 para os 70, inspirou um tipo de sonoridade – o piano elétrico Fender Rhodes, dobrar vozes e fazer vocais, por exemplo - e a ideia de convidar músicos que já atuavam naquela época, como o próprio Arthur Verocai (vocais, violão e arranjos de orquestra), seu ídolo Toninho Horta (guitarra), e o baterista Ivan Conti “Mamão, do lendário grupo Azimuth, a quintessência do som setentista no Brasil.
O Lado B, embora mais denso, também remetia aos anos 70, sobretudo ao Clube da Esquina, o que não é de se estranhar. Entre Minas e Rio, como na sua vida, tudo que acontece em “Sumaúma”, reparem, vem dos dois estados vizinhos, todos os compositores são de um ou de outro, ao ponto do carioca Milton Nascimento ser um símbolo da música mineira e ter morado a vida quase inteira no Rio, do mineiro João Bosco ser em grande medida um compositor carioca, do carioca Gonzaguinha ter se radicado em Minas, como a mineiríssima Paula vive no Rio.
Musicalmente, se o álbum é predominantemente rítmico, grooveado, ao mesmo tempo ele é primoroso do ponto de vista melódico, harmônico e poético, a cara de Paula Santoro e dos músicos que participam, inclusive alguns dos compositores, como Verocai, João Donato e João Bosco.
As canções escolhidas, embora afora as duas composições da própria Paula não sejam inéditas, são de um frescor, e soam como novíssimas. “Yê Melê”, embora já gravada por cantoras do porte de Elis Regina e Maria Bethânia, nunca se tornou muito conhecida e Paula tinha uma visão sobre ela, mais leve e aberta, e que inclui um canto tradicional para Yemanjá, colhido de um grupo de candomblé de Brasília. “Na boca do sol” veio do convívio de Paula com Verocai, já que ela participa como vocalista do conjunto do compositor. “Sassaô” é quase um segredo de João Bosco, uma ode à origem batuqueira e sensual da música brasileira, e uma homenagem à pioneira Chiquinha Gonzaga do corta-jaca (“Me dano porque corto a jaca na banda”). Isso em contraponto às escolhas também muito pessoais das canções densas do lado B, coisas de Beto, Milton, Gonzaguinha, que ela sempre ouviu, mas percebeu a atualidade. As escolhas são tão emocionais que a gravação de “E daí?”, por exemplo, foi a primeira que ela fez, no estúdio caseiro de Rafael Vernet, e não teve qualquer ajuste ou correção – para manter a emoção de melodia e texto na sua voz.
Na verdade, “Sumaúma”, para Paula Santoro, é mais que uma árvore e um álbum musical, como ela diz no poema que escreveu para conceituar o disco:
“Sumaúma é minha visão "poéticoimagéticomusical" sobre a nossa existência.
Eu visto a natureza para me saber parte dela. Eu sou árvore. Eu sou Sumaúma”
Por isso, na concepção visual do álbum, Paula literalmente se despe e se “veste” de árvore e se amalgama com a natureza, tanto na capa e contracapa - num quadro criado pelo artista plástico Menote Cordeiro - quanto nas fotos de Márcia Charnizon em que Paula interage com as obras do artista plástico Advânio Lessa.
Como cantora, em cada faixa põe a voz a serviço da canção: da canção pura, solar, para fruição, do Lado A; à canção densa, política, bela, para se refletir, do Lado B. A artista como o tronco da árvore, entre a copa e a sapopema da Sumaúma, cantando ora para a imensidão do Universo ou às profundezas da Terra. Ou como na canção que dá título ao álbum e talvez defina a busca da própria música, da arte (e do mistério das Sumaúmas): “Algum lugar/Além do cais, além da dor”.
Direto da Redação Marco FKM