Vamos entender as vacinas?

Em tempos de tantas dúvidas, vamos entender um pouco mais sobre as vacinas.
22/02/2018 23:45
noticia Vamos entender as vacinas?
noticia Vamos entender as vacinas?

Com o surto de febre amarela silvestre muito tem se falado sobre vacina, muitas postagens em redes sociais, muitos boatos sem embasamentos cientifico, muitas teorias de conspiração circulam causando duvidas, medos e não trazem informações de relevância a quem procura dados confiáveis, diante desta situação realizamos uma pesquisa para informar de maneira responsável e coerente quem procura tirar suas duvidas e receios contra esse meio que atualmente é a forma eficaz de combate a muitas doenças, inclusive a febre amarela.

Há um áudio circulando no whatsapp de uma pessoa que não se identifica e diz trabalhar no Instituto Butantan, com informações imprecisas e espalhando medo na população. A incoerência na mensagem já inicia na primeira frase, quando ela diz:

“VOU GRAVAR UM AUDIO, POIS ESTOU DIRIGINDO!”

Já mostra a atitude de uma pessoa irresponsável usando o celular enquanto dirige, lembrando que não imposta se o veiculo é equipado com multimídia a legislação de transito não permite isso.

Se a pessoa tem certeza das informações que divulga por que não se identifica com nome e função, lembrando que dentro do Instituto Butantan trabalham pessoas em varias funções, desde porteiro a cientistas e cada um tem uma graduação e a bagagem de conhecimento, por tanto temos que saber quem nos instrui e com que propriedade nos dá a informação.

Toda informação que recebemos devem ser analisadas e comprovadas, pois em pesquisa para esse artigo encontrei informações de pessoas com graduação dando informações inconsistentes ou ultrapassadas. Sendo assim vamos entender de onde vem a vacina, sua história, os tipos e as possíveis reações.

Lembrando que as informações contidas nesse artigo foram fruto de pesquisas a entidades especializadas e oficiais que tratam as informações com muita responsabilidade.

 

História da vacina

Quem ficou com a fama foi o inglês Edward Jenner, que em 1796 observou que as vacas tinham nas tetas feridas iguais às provocadas pela varíola no corpo de humanos. Realmente os animais tinham uma versão mais leve da doença, a varíola bovina, ou "bexiga vacum". Ao observar que as mulheres responsáveis pela ordenha quando expostas ao vírus humano tinham uma versão mais  suave da doença, ele recolheu o líquido que saía destas feridas e o passou em cima de arranhões que ele provocou no braço de um garoto. O menino teve um pouco de febre e algumas lesões leves, tendo uma recuperação rápida. A partir daí, o cientista pegou o líquido da ferida de outro paciente com varíola e novamente expôs o garoto ao material. Semanas depois, ao entrar em contato com o vírus da varíola, o pequeno passou incólume à doença. Estava descoberta assim a propriedade de imunização. (O termo "vacina" seria, portanto, derivado de "vaca").

Jenner ficou com a fama mundial, mas parece não ter sido o primeiro realmente a inventar a vacina. O livro "A História e suas epidemias: a convivência dos homens com os microorganismos", do médico Stefan Cunha Ujvari, lançado pela Editora Senac, conta que muito antes disto os chineses já tinham criado seu método de imunização. Eles trituravam as cascas das feridas produzidas pela varíola, onde o vírus estava presente, porém morto, e sopravam o pó através de um cano de bambu nas narinas das crianças. O sistema imunológico delas produzia uma reação para o vírus morto e, quando expostas ao vírus vivo, o organismo já sabia como reagir, livrando os pequenos da doença.

 

Tipos de vacinas

Vacinas são feitas com microorganismos mortos ou inativos, ou substâncias purificadas derivadas dos mesmos. Existem vários tipos de vacinas em uso atualmente. Cada uma representa uma estratégia diferente para reduzir o risco de doenças enquanto induz uma resposta imune benéfica para o organismo vacinado.

 

 

Enquanto a maioria das vacinas é produzida através de compostos atenuados ou inativados, as vacinas sintéticas são compostas principalmente ou quase que totalmente por peptídeos sintéticos, carboidratos ou antígenos.

Inativada

Algumas vacinas contêm micro-organismos inativos, porém anteriormente virulentos, que foram destruídos por agentes químicos, calor, radiação ou antibióticos. Exemplos de vacinas inativadas são a de gripe, cólera, peste bubônica, pólio, hepatite A e raiva.

 

Atenuada

Algumas vacinas contêm micro-organismos vivos e atenuados. Muitos destes são vírus ativos que foram cultivados sob condições que desativam suas propriedades virulentas, ou que usam organismos estreitamente relacionados, mas menos perigosos, para produzir uma ampla resposta imune. Embora a maioria das vacinas atenuadas sejam virais, algumas são de natureza bacteriana, como as de febre amarela, sarampo, catapora, caxumba e rubéola e a doença bacteriana, o tifo.

Vacinas atenuadas têm vantagens e desvantagens. Elas normalmente provocam uma resposta imunológica duradoura e são as preferíveis para vacinar adultos. Mas podem não ser seguras para indivíduos com imunidade comprometida e raramente podem sofrer mutação para a forma virulenta e causar a doença.

 

Toxoide

São vacinas feitas de compostos tóxicos inativos que causam doenças e não o micro-organismo. Vacinas desses tipos incluem a de tétano e difteria. Conhecidas por sua eficácia, nem todos os toxoides são de micro-organismos. O veneno da cascavel, por exemplo, é utilizado em vacinas para cães contra picadas de cobras.

 

Subunidade

Diferente da introdução de micro-organismos atenuados ou inativos para gerar uma resposta do sistema imune, um fragmento dele, como uma subunidade proteica, pode gerar uma resposta do sistema imunológico. Exemplos incluem a vacina contra hepatite B, composta de proteínas da superfície do vírus previamente extraídas do soro sanguíneo de pacientes cronicamente infectados. Hoje produz-se através de recombinação de DNA de agentes virais através de levedura, que é então purificada. Vacinas como do HPV é composta basicamente por capsídeos de proteínas do vírus e subunidades de neuraminidase e hemaglutinina de vírus da gripe.

 

Conjugada

Algumas bactérias têm revestimentos externos de polissacarídeos que são pouco imunogênicos. Ligando estes revestimentos exteriores a proteínas (por exemplo, toxinas), o sistema imune pode ser levado a reconhecer o polissacárido como se fosse um antígeno de proteína. Esta abordagem é utilizada na vacina "Haemophilus influenzae" tipo B. São vacinas seguras, porém possuem baixa imunogenicidade natural, para o qual é necessária a adição de adjuvantes.

 

Experimental

Desenvolvimento da vacina da gripe aviária por técnicas de reversão genética.

Vacinas inovadoras estão atualmente em desenvolvimento e uso experimental.

Vacinas com células dendríticas combinam tais células com antígenos de forma a apresentar os antígenos para as células brancas presentes no sangue, para estimular uma resposta imune. Estas vacinas têm se mostrado eficazes em testes para tratar tumores cerebrais e em melanomas malignos.

Vetor recombinante - ao se combinar a fisiologia de um micro-organismo com o DNA de outro, imunidade pode ser criada contra doenças que possuam complexos processos infecciosos.

Vacina de DNA - é uma técnica alternativa e altamente experimental criada a partir do DNA de um agente infeccioso sob desenvolvimento. O mecanismo proposto é a inserção e expressão de um gene (melhorado através de eletroporação, tendo como alvo o reconhecimento do sistema imune) extraído do DNA viral ou bacteriano de células humanas ou animais. Algumas células do sistema imunológico que reconhecem as proteínas expressas se organizarão para atacar as proteínas e células que as expressam. Como essas células vivem por um longo tempo, se o patógeno que normalmente expressa essas proteínas é encontrado algum tempo depois, ele será imediatamente atacar pelo sistema imunológico. Uma vantagem da vacina de DNA é que ela é fácil de produzir e de estocar. Porém, ela ainda é experimental e não foi aprovada para ser testada em humanos.

Receptor de célula-T - vacinas que contenham peptídeos oriundos de receptores de célula-T estão em pesquisa e desenvolvimento para várias doenças como dermatite atópica, estomatite e Febre do Vale do Rift. Verificou-se que estes péptidos modulam a produção de citocinas e melhoram a imunidade mediada pelas células.

 

Valência

Vacinas podem ser monovalentes (também chamadas de "univalentes") ou multivalentes (também chamadas de "polivalentes"). A monovalente imuniza contra um único antígeno ou micro-organismo. A vacina multivalente imuniza contra duas ou mais cepas de um mesmo micro-organismo ou até mesmo contra dois ou mais deles.

A valência de uma vacina multivalente pode ser denotada a partir do prefixo em grego ou latim, como no caso das vacinas tetravalente ou quadrivalente. Em alguns casos, a vacina monovalente pode ser preferível por sua rápida resposta no sistema imunológico.

 

Heterotípica

Também conhecida como vacina heteróloga ou "vacinas de jennerianas", são aquelas em que os patógenos são oriundos de outros animais, que não causam a doença ou causam apenas sintomas leves que podem ser tratados. Um exemplo clássico foi o uso da varíola bovina por Jenner quando testou sua hipótese sobre a imunização das ordenhadeiras com vimos na história.

Um exemplo mais recente, é a vacina BCG, feita a partir da bactéria bovina Mycobacterium bovis que protege o corpo humano contra a tuberculose.

 

Produção

A produção de vacinas possui vários estágios. Primeiro, o antígeno em si precisa ser produzido. Vírus são cultivados em células primárias, como em ovos de galinhas ou em linhagens contínuas de células, como aquelas em cultura. Bactérias são cultivadas em um biorreator.

Igualmente, uma proteína recombinante derivada dos vírus ou bactérias pode ser gerada em culturas de leveduras, bactérias ou células. Após a geração do antígeno, ele é isolado das células utilizadas para gerá-lo. Um vírus pode ser inativado, possivelmente sem precisar de purificação. As proteínas recombinantes precisam de vários processos, envolvendo ultrafiltração e cromatografia em coluna. Finalmente, a vacina é formulada pela adição de adjuvante, estabilizantes e conservantes, conforme necessário. O adjuvante aumenta a resposta imune do antígeno, os estabilizadores aumentam a vida de armazenamento e os conservantes permitem a utilização de frascos multidose.

As vacinas combinadas são mais difíceis de desenvolver e produzir, devido a potenciais incompatibilidades e interações desconhecidas entre os antígenos e outros ingredientes envolvidos.

As técnicas de produção estão em constante evolução. Espera-se que as células de mamíferos cultivadas se tornem cada vez mais importantes, comparadas com as opções convencionais, como os ovos de galinha, devido à maior produtividade e baixa incidência de problemas com a contaminação.

Acredita-se que a tecnologia de recombinação que produz a vacina geneticamente destoxificada cresça em popularidade para a produção de vacinas bacterianas que usam toxoides e que as vacinas de combinação reduzam as quantidades de antigênicos que contêm e, deste modo, diminuem as interacções indesejáveis, utilizando padrões moleculares associados a patógenos.

Em 2010, a Índia produziu cerca de 60% de todas as vacinas do mundo, num total de 900 milhões de dólares.

 

Oposição

A oposição à vacinação, de uma ampla gama de críticos de vacinas, existe desde as primeiras campanhas de vacinação. Embora os benefícios da prevenção de doenças infecciosas graves superem largamente os riscos de efeitos adversos raros ( no caso da vacina contra a febre amarela os casos de reação vacinal são de 1 para cada 400.000 vacinados) após a imunização, disputas surgiram sobre a moralidade, ética, eficácia e segurança da vacinação. Alguns críticos de vacinação dizem que as vacinas são ineficazes contra a doença ou que os estudos de segurança são inadequados. Alguns grupos religiosos não permitem a vacinação e alguns grupos políticos se opõem à vacinação obrigatória com base na liberdade individual.

Em resposta, a comunidade científica tem levantado a preocupação de que a divulgação de informações infundadas sobre os riscos médicos das vacinas aumente as taxas de infecções que ameaçam a vida, não só nas crianças cujos pais recusaram a vacinação, mas também naqueles que não podem ser vacinados devido à idade ou imunodeficiência, que poderiam contrair infecções de portadores não vacinados (ver imunidade de grupo).] Alguns pais acreditam que as vacinas causam autismo, embora não haja evidências científicas para apoiar essa idéia. Em 2011 descobriu-se que Andrew Wakefield, principal proponente de uma das principais controvérsias sobre uma suposta ligação entre o autismo e vacinas, era financeiramente motivado a falsificar dados de pesquisa e foi posteriormente despojado de sua licença médica. Nos Estados Unidos, as pessoas que recusam vacinas por razões não médicas constituíram uma grande percentagem dos casos de sarampo e subseqüentes casos de perda auditiva permanente e morte causada pela doença.

Em novembro de 1904, em resposta a anos de saneamento inadequado, seguidos por uma mal explicada campanha de saúde pública liderada pelo renomado funcionário de saúde pública Oswaldo Cruz, cidadãos e cadetes militares no Rio de Janeiro começaram um levante conhecido como Revolta da Vacina. Os tumultos irromperam no dia em que a lei de vacinação entrou em vigor; a vacinação simbolizava o aspecto mais temido e mais tangível de um plano de saúde pública que incluía outras características, como a renovação urbana, que muitos haviam se oposto durante anos.

Examinando a vacina contra febre amarela

Do final de janeiro até o início de março, quase 22 milhões de moradores de 77 municípios de São Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia devem receber a vacina fracionada – equivalente a 1/5 da dose completa – contra febre amarela, considerada a melhor estratégia para deter a epidemia de febre amarela de transmissão silvestre, responsável por 907 casos e 314 mortes em todo o país de junho de 2016 a janeiro de 2018. Anunciada no início de 2018, a decisão do Ministério da Saúde de fracionar a vacina apoia-se principalmente na impossibilidade de atender com a dose inteira todos os moradores das áreas de risco e daquelas em que o vírus causador da doença deve chegar nos próximos meses.

Em 2017, o Instituto Tecnológico em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro e único fabricante nacional, ampliou a produção mensal de 4 milhões para 6 milhões de doses e cessou as exportações, para priorizar o mercado interno. Ainda assim, a produção não tem sido suficiente para acompanhar o ritmo de propagação da febre amarela silvestre. Desde novembro de 2016, o vírus causador da doença – transmitido pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que vivem em matas – avançou com rapidez inesperada em regiões antes consideradas livres da doença de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro, cujos moradores, de modo geral, não tinham sido vacinados.

 

Pesquisa FAPESP entrevistou especialistas e apresenta, a seguir, as bases científicas dessa forma de uso da vacina. Em resumo, o fracionamento conta com o respaldo de estudos científicos e deve gerar um efeito protetor contra o vírus, mas há incertezas sobre a eficácia e a duração desse efeito, além de controvérsias sobre a necessidade de doses de reforço.

Os três testes em seres humanos apresentam limitações. Em um documento de julho de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) observou que o número de participantes e a faixa de idade são restritos, impedindo conclusões mais abrangentes. Por essa razão, crianças com até 2 anos de idade, gestantes e pessoas que passaram por transplantes de órgãos e têm doenças autoimunes ou mais de 60 anos, que não foram representadas nesses estudos, continuarão recebendo a vacina padrão. Em um estudo amplo, pesquisadores do Imperial College de Londres compararam os resultados de 12 estudos clínicos realizados entre 1965 e 2011 envolvendo 4.868 pessoas. Como detalhado em um artigo de 2016 no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, a dose de 1/10 gerou uma resposta, medida pela produção de anticorpos neutralizantes do vírus, equivalente a 97% da dose padrão.

“Estamos absolutamente tranqüilos sobre a eficácia do fracionamento”, afirma o médico veterinário Akira Homma, consultor científico sênior do Bio-Manguinhos. Com o fracionamento, um frasco com cinco doses servirá para vacinar até 25 pessoas nas áreas em que o vírus ainda não chegou, mas pode chegar logo, já que cada pessoa, em vez de 0,5 mililitro (ml) da dose padrão, receberá 0,1 ml, por meio de seringas especiais. “Com os 4 milhões de doses que temos, conseguiremos atender todo mundo”, tranqüiliza.

Homma argumenta que em 2013, pressionada pela falta de vacinas, a OMS aprovou o fracionamento, também de 1/5 da dose completa, para deter a epidemia de febre amarela de outro tipo – a urbana, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti – na África. “Funcionou muito bem”, avaliou Homma. Em campanhas de emergência, cerca de 30 milhões de pessoas foram vacinadas em Angola e na República Democrática do Congo. O surto que começou em dezembro de 2015 em Angola terminou em fevereiro de 2017, após ter causado 965 mortes nos dois países.

“A dose equivalente a 1/5 da dose completa vai proteger igualmente”, reitera o infectologista Marcos Boulos, coordenador de controle de doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Já para o médico e físico Eduardo Massad, “a vacina fracionada de fato é imunogênica, mas ninguém sabe se é realmente eficaz”. “Temos apenas evidências indiretas de que sim, porque até agora a febre amarela não reemergiu em Angola e na República Democrática do Congo”, observa Massad, professor da FM-USP.

O questionamento de Massad se apóia em dois argumentos. O primeiro é que a eficácia das doses de menor concentração não foi avaliada em modelos animais, nos quais se aplica a vacina e depois o vírus para se determinar o grau efetivo de proteção e a dosagem mais efetiva. O segundo argumento é que os resultados não são garantidos: a vacina contra dengue mostrou bons resultados nos testes clínicos iniciais, em pessoas sadias, mas um baixo desempenho na etapa seguinte de avaliação, em pessoas vacinadas que se infectaram com o vírus. “Uma coisa é produzir anticorpos, outra é não pegar a doença”, observa Massad. A resposta do organismo pode variar por pessoa e, em alguns casos, não ser suficiente para deter o vírus.

Também não se sabe se as reações serão iguais às da vacina padrão. “Supõe-se que as reações sejam equivalentes, mas a vacina fracionada não foi avaliada em grande escala na população”, acrescenta Massad. Após o surto de febre amarela em 2009 em Botucatu, com 29 casos confirmados e 11 mortes, ele coordenou o planejamento da expansão das áreas de vacinação no estado, detalhado em um artigo de 2015 na Memórias do Instituto Oswaldo Cruz.

Em janeiro, as autoridades da saúde diziam que apenas as pessoas que circulassem por áreas de risco de transmissão da febre amarela silvestre deveriam se vacinar. Era uma forma de priorizar a vacinação dos moradores dessas áreas, por onde circulam os mosquitos infectados com o vírus, e evitar que o risco de efeitos indesejados da vacina fosse maior que o da própria doença. Em São Paulo, três pessoas com menos de 60 anos morreram no início de 2018 por reação à vacina, embora, de acordo com a Secretaria de Saúde, algumas não tenham relatado as doenças prévias que as impediriam de ser vacinadas.

 

Duração incerta

Outra pergunta ainda sem resposta: quanto tempo deve durar o efeito protetor da vacina fracionada? Em janeiro de 2018, médicos, pesquisadores e autoridades da saúde afirmaram que a dose com 1/5 da concentração poderia manter a proteção contra o vírus por pelo menos oito anos, mas essa informação se apóia em um estudo não concluído e não publicado de pesquisadores da Fiocruz do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Em 2017, para conhecer a duração do efeito da vacina, a equipe da Fiocruz procurou os participantes do segundo estudo, que avaliou o efeito, medido pela imunogenicidade, das doses fracionadas em soldados do Rio. Porém, o ano em que os militares tomaram a vacina, que deveria ser o ponto inicial da avaliação da duração do efeito protetor, não consta nos artigos de 2013 e 2014. Martins Filho, que participou do segundo artigo e integra a equipe do novo estudo, diz que as doses fracionadas foram aplicadas em 2009. Dos 749 soldados que haviam participado do estudo anterior, 319 foram localizados, disseram não terem sido revacinados e aceitaram participar do novo estudo. De acordo com a Fiocruz, as análises das amostras de sangue indicaram que a maioria dos homens reavaliados teria mantido os níveis altos de anticorpos neutralizantes do vírus e de células de memória.

O farmacêutico bioquímico Alejandro Costa, pesquisador da Iniciativa para a Pesquisa de Vacinas da OMS, conheceu os resultados do novo estudo da Fiocruz em dezembro de 2017 em uma reunião no Ministério da Saúde, em Brasília. “A evidência sobre a duração do efeito protetor no estudo da Fiocruz parece consistente, mas não está validada por um comitê de especialistas”, observa. Segundo ele, nessa reunião, uma das recomendações da OMS às equipes da Fiocruz e dos estados que adotarão a vacina fracionada foi o acompanhamento de amostras representativas da população ao longo dos próximos anos para se conhecer efetivamente a duração do efeito protetor da dose fracionada.

 

Doses de reforço?

A duração do efeito protetor da dose inteira também é incerta. “Não acredito que dure a vida inteira”, diz Marcos Boulos, que se lembrou de uma reunião no Ministério da Saúde em 1983. Naquele momento, os especialistas diziam que a vacina, então indicada para 10 anos, poderia durar no mínimo 30. Em 2013, diante da escassez de vacinas para enfrentar a epidemia na África, a OMS mudou a orientação e estabeleceu que uma única dose pudesse valer não mais para apenas 10 anos, mas para toda a vida. O Ministério da Saúde do Brasil acatou essa diretriz em 2017.

“Nesse momento, de acordo com as diretrizes em vigor, não há necessidade de doses de reforço”, diz a médica Helena Sato, diretora de imunização da SES-SP. Em um artigo de 2013 na American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, fundamentado em 36 estudos sobre imunogenicidade em adultos, crianças e gestantes, pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical Alexander von Humboldt, no Peru, e da OMS concluíram que o efeito protetor poderia se estender por toda a vida, dispensando a necessidade de uma dose de reforço. Esse é, porém, outro ponto controverso. Com base em um estudo da Fiocruz de Minas Gerais publicado em 2016 na Human Vaccines & Immunotherapeutics, Martins Filho argumenta que o efeito começa a cair cinco anos depois da primeira vacina e se torna crítico após 10 anos, quando 70% das pessoas vacinadas manteriam a capacidade de reagir ao vírus, justificando uma dose de reforço.

“Eu estava na reunião da OMS de 2013 e fui contra a decisão da dose única”, relata o médico virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, de Belém. “É mais prudente vacinar no mínimo duas vezes, porque nem todas as pessoas respondem do mesmo modo.” Em um comentário na edição de fevereiro de 2018 na Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, ele defende a necessidade de uma dose de reforço e de vacinas mais modernas contra a febre amarela. A Bio-Manguinhos é um dos quatro fabricantes reconhecidos pela OMS, que alegam que o baixo custo da dose dificulta os investimentos em ampliação e novos métodos de produção. A vacina é produzida essencialmente do mesmo modo desde 1937: uma linhagem específica do vírus causador da febre amarela passa dezenas de vezes por ovos embrionados para perder força e induzir nas pessoas a produção de anticorpos e células de memória que atacarão o vírus normal, caso apareça.

A Fiocruz de Pernambuco está pesquisando um imunizante preparado com base no material genético do vírus e pretende testar novas formulações assim que possível. Já a Fiocruz do Rio trabalha em um modelo feito com base no vírus de febre amarela inativado. Os dois estudos estão, ainda, longe de qualquer conclusão. Em um artigo publicado em 2011 na New England Journal of Medicine, uma equipe da empresa Xcellerex, dos Estados Unidos, relatou que uma vacina produzida com o vírus inativado mostrou-se segura e imunogênica em um estudo com 60 pessoas com idade entre 18 e 49 anos. A GE Healthcare Life Sciences adquiriu os direitos da vacina da Xcellerex em 2012 e os vendeu a outra empresa farmacêutica, a PnuVax, em 2016. Os testes continuam.

 

Risco de expansão

Mesmo que as campanhas de vacinação e as doses fracionadas apresentem os resultados desejados, a febre amarela tornou-se endêmica na maioria dos estados brasileiros e nos países vizinhos – já chegou a parte da Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela. “Pode-se, com a vacinação em massa, debelar um surto de febre amarela silvestre, depois de irrompido?”, indagava-se, em 1957, o médico Caio de Souza Manso, chefe do setor de vacinação do Serviço Nacional de Febre Amarela do Ministério da Saúde. “Acreditamos que não, ou, pelo menos, não o temos conseguido.” Seus argumentos ainda valem, seis décadas depois. A vacinação protege as pessoas, mas não interrompe o ciclo de transmissão do vírus: os mosquitos infectados continuarão a picar macacos que vivem nas matas e servem como hospedeiros temporários do vírus. Outros mosquitos, ao picar os primatas silvestres, vão adquirir o vírus e eventualmente transmiti-lo para pessoas não vacinadas que moram em áreas de matas ou as visitam.

Massad inquieta-se com a possibilidade de volta da febre amarela urbana, transmitida pelos Aedes aegypti e registrada pela última vez no país em 1942: “Se os Aedes aumentarem numericamente nas áreas periféricas e resolverem picar macacos infectados e depois as pessoas, será uma tragédia”. Dois estudos publicados em 2017 na Scientific Reports sustentam essa possibilidade. No primeiro, uma equipe da Faculdade de Saúde Pública da USP verificou que os Aedes são os mosquitos predominantes em nove parques públicos da cidade de São Paulo. No segundo, uma equipe da Fiocruz do Rio, do Instituto Pasteur da França e do Instituto Evandro Chagas observou que o Aedes é tão apto a transportar o vírus da febre amarela quanto os Haemagogus e o Sabethes. “A quantidade de Aedes nas cidades atualmente é baixa, mas pode aumentar”, alerta Costa, da OMS. “Temos de intensificar a vacinação preventiva para evitar a febre amarela urbana, mais difícil de controlar que a silvestre.”

 

Artigos científicos

ROUKENS, A. H. et al. Intradermally administered yellow fever vaccine at reduced dose induces a protective immune response: A randomized controlled non-inferiority trial. PLOS ONE. v. 3, n. 4, e1993. 2008.

MARTINS, R. M. et al. A double blind, randomized clinical trial of immunogenicity and safety on a dose-response study 17DD yellow fever vaccine. Human Vaccines & Immunotherapeutics. v. 9, p. 879–88. 2013.

CAMPI-AZEVEDO, A. C. et al. Subdoses of 17DD yellow fever vaccine elicit equivalent virological/immunological kinetics timeline. BMC Infectious Diseases. v. 14, p. 391. 2014.

OMS. Fractional dose yellow fever vaccine as a dose-sparing option for outbreak response. 2016.

LOPES, O. de S. et al. Studies on yellow fever vaccine III — dose-response in volunteers. Journal of Biological Standardization. v. 16, n. 2, p. 77-88. abr. 1988.

MONATH, T. P. et al. An Inactivated Cell-Culture Vaccine against Yellow Fever. The New England Journal of Medicine. v. 364. n. 14, p. 1326-33. 7 abr. 2011.

Por : Sérgio Foguel

ÚLTIMAS NOTÍCIAS UOL